quinta-feira, 19 de junho de 2008

Xadrez é um esporte individualista?

Retirado do site ClubedeXadrez

Xadrez é um esporte individualista?

Por João Carlos de Jesus Almeida*

Eis uma questão polêmica. Certa vez durante uma conversa trivial, um colega profissional de Educação Física, me disse que não apoiava a idéia do estímulo ao esporte Luta de Braço (oficialmente reconhecido, tendo inclusive sua entidade máxima nacional, a Confederação Brasileira de Luta de Braço e Halterofilismo) por ser um esporte individual (de um contra um), pois preferia apoiar os esportes coletivos (como o Vôlei, Futebol, Basquete, etc). E, de acordo com ele, aquele tipo de esporte, individual não seria uma boa prática entre estudantes, então o melhor era trabalhar o coletivo, pois estimula a cooperação, interatividade, trabalho em grupo entre outros benefícios.

Passaram-se anos depois desta conversa, e neste período pude observar na minha prática diária como profissional nas escolas municipais e estaduais, que o tal esporte coletivo não era tão coletivo assim. Observei, e ainda vejo isso, em muitíssimas ocasiões em que, por exemplo: numa partida de futsal, toda vez que o “astro” do time driblava um, dois, o goleiro e fazia o gol o monólogo era: “Viu professor, EU sou fera mesmo. EU sou o cara”, e se o time ganhava a conversa era (é): “Ganhamos de n a zero... viu os três golaços EU que fiz?”. Curiosamente, quando o time perdia (geralmente um time perde, claro) a conversa já era outra: “Assim não dá! Viu o vacilo DO goleiro? Levou dois frangos”. “Pô! Perdemos por causa DO ala direita... VOCÊ joga mal demais cara”.

E o pior é que isso se repete nos times de voleibol, nos de handebol etc. Ou seja, para o time que ganha, o mérito é do que “fez mais”, quando perde, a culpa é do que “errou”, nunca é de toda a equipe. Poderíamos dizer, “ah, mas isso só ocorre entre escolares, nas equipes de nível todos assumem a responsabilidade”. Nem tanto. Basta ouvirmos os comentários de muitos praticantes de esportes coletivos profissionais. Recentemente, um caso que me vem agora, o Vasco da Gama, tradicional clube brasileiro de futebol, perdeu um importante jogo nas cobranças de pênalti. Na época, uma das estrelas do time, o jogador Edmundo, que perdeu o pênalti, disse que iria se aposentar, talvez sentindo-se culpado pela derrota do time. E não foram poucos os torcedores, nos bares, na TV, no Orkut etc, que culpavam o jogador pela desclassificação. Ninguém, em nenhum momento, refletiu que, se o Vasco chegou à necessidade de decidir o jogo nos pênaltis, foi porque TODO o coletivo falhou em determinado ponto, não decidindo logo o jogo no tempo normal.

O xadrez, como já sabem, é um jogo de um contra um, onde o indivíduo é, quase sempre, o grande responsável pelas suas derrotas. O que poucos sabem é que é justamente nas derrotas que o enxadrista aprende e cresce moralmente! O competidor bem orientado sabe que errou em um ponto, e é preciso descobrir qual, se aperfeiçoar e evitar cometer o mesmo erro no futuro. Seu crescimento dependerá de seu tempo dedicado ao estudo e prática; à sua motivação e ao seu talento. Interessante que dependerá mais dos dois primeiros itens do que do último. Isso tudo poderia nos levar a crer que o xadrez é um esporte individualista e egocêntrico. Puro mito! Assim como os tabuleiros com teias de aranha que víamos nos filmes de outrora, passando a imagem de que xadrez é um jogo muito, muito demorado. Para os novatos, explico que existem várias modalidades de xadrez, inclusive uma chamada de Bullet, onde toda a partida deve terminar em 2 minutos!

Outra modalidade interessante é o Xadrez por Equipes! Aqui no Espírito Santo, nossa Federação já realiza há anos o Campeonato Estadual Por Equipes, onde cada time é composto de quatro enxadristas, sendo um denominado o Capitão. Dou ênfase ao fato de que o Capitão não dita sumariamente o que a equipe deve fazer, mas ouve, sintetiza e dá suas orientações gerais, traçando conjuntamente a estratégia a ser adotada. Assim cada indivíduo é o responsável pelos seus atos nas suas respectivas partidas, mas sem distanciar do todo. É a coletividade do Xadrez.

Quem é acostumado a participar de competições sérias, já se habituou àquela imagem tradicional no post-mortem (depois que termina o jogo) de uma mesa com dois enxadristas movendo peças e conversando, e uma roda de pessoas ao lado dando suas opiniões. Trata-se da análise, um dos pontos mais cativantes e coletivos do xadrez, onde todos dão suas opiniões e buscam as devidas soluções para os problemas apresentados na posição.

Outras atividades específicas que devem ser utilizadas no xadrez escolar é justamente a resolução coletiva de problemas, estimulando a participação em grupo, promovendo a capacidade de ouvir, generalizar, especificar, sintetizar, e discernir sobre todos os pontos observados e apresentados pelo grupo. Assim como os pré-jogos enxadrísticos; construção artesanal de peças com objetos recicláveis; criação de um boletim (pequeno jornal informativo) com a participação dos membros do clube; divisão de tarefas na organização de pequenos eventos; estímulo à prática da monitoria, onde os mais avançados ajudam os iniciantes etc, onde “muitas vezes, a soma das partes é maior que o todo!”
Ao jogar uma partida, o enxadrista assume uma postura coletiva, pois sabe que seu sucesso depende da cooperação de todas as suas peças. É muito comum quando começo a ensinar xadrez em escolas, surgir algum aluno dizendo: “eu sei jogar”; então convido-o para uma partidinha, assim analiso em que estágio ele se encontra. Não raro, aliás, freqüentemente o aluno move três, quatro, cinco vezes a mesma peça ou peão... em poucos instantes coloco todo o meu exército sobre o Rei dele e venço. Então a turminha ao redor exclama: “puxa! Ele ganhou rapidinho”. Então explico que só venci porque eu tinha mais forças em campo, minhas peças estavam melhor coordenadas e trabalhavam em harmonia. Vejam que, desta forma, o xadrez mostra-se mais cooperativista do que se imagina.

Para finalizar, gostaria de expor parte de um dos textos do Prof. Antônio Villar Marques de Sá, Doutor pela Universidade de Paris (1988), bacharel e licenciado em Matemática pela Universidade de Brasília, onde ele cita a opinião de Charles Partos, Mestre Internacional e professor do departamento da instrução pública do cantão do Valais (Suíça), sobre o

“aprendizado e a prática do xadrez que desenvolvem várias habilidades:

a. A atenção e a concentração;
b. O julgamento e o planejamento;
c. A imaginação e a antecipação;
d. A memória;
e. A vontade de vencer, a paciência e o autocontrole;
f. O espírito de decisão e a coragem;
g. A lógica matemática, o raciocínio analítico e sintético;
h. A criatividade;
i. A inteligência;
j. A organização metódica do estudo e o interesse pelas línguas estrangeiras.”

*João Carlos de Jesus Almeida, profissional habilitado em Educação Física (Ceunes/UFES); Árbitro Regional da CBX; professor habilitado pelo Centro de Excelência do Xadrez (CEX).
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